terça-feira, 19 de janeiro de 2010

   FALSA INTIMIDADE  .                                        (MARTHA MEDEIROS)


   Fala-se muito sobre as frágeis relações amorosas de hoje,tão afetadas pela urgência de satisfazer desejos imediatos, pelas inúmeras possibilidades de contato instantâneo e pela pouca durabilidade dos sentimentos. Me pergunto: onde está o furo dessa história?O que perdemos no meio do caminho? Talvez nem tenhamos perdido, talvez simplesmente nunca tenhamos encontrado aquilo que só a poucos casais foi dado viver e que os mantém unidos a despeito de toda a artilharia.
   A maioria, hoje,vive suas relações afetivas e sexuais de forma periférica .Contenta-se com cama, orgasmos e satisfação dos instintos. Isso somado a um cineminha, uma escapada no feriadão e um almoço em família configura uma privacidade compartilhada, e é o que basta para confirmar que a relação existe, seja ela chamada de rolo, namoro ou mesmo casamento.
   Ainda me pergunto: onde está o furo da história? Por que essa privacidade compartilhada não se sustenta por muito tempo, não satisfaz 100% e gera tantas frustações?
   Com a possibilidade de acesso virtual a uma variedade de candidatos à grande amor e de seus cadastros ( idade, profissão, time, fetiches ), entrar na privacidade dos outros ficou muito fácil. Porém, em proporção inversa, perdeu-se a noção do que é intimidade, algo que nem mesmo algumas relações duradouras conseguem atingir.
   Intimidade não se externa, não se divulga, não se oferece na Internet. É nosso bem mais secreto, é
onde guardamos a chave do nosso mistério, das nossas dores, das nossas dúvidas, da nossa emoção genuína. Não se compartilha isso com outra pessoa se ela não tiver sensibilidade suficiente para nos ouvir e entender, para nos aceitar e nos acrescentar,para nos respeitar e ofertar em troca sua própria intimidade, selando a partir daí um tipo de pacto que beira o sublime.
   Essa intimidade requer confiança plena, compatibilidade na maneira de enxergar o mundo e nenhum instinto maléfico em relação ao outro. Intimidade é quando duas pessoas , mesmo distantes em espaço, estão profundamente unidas porque se reconhecem cúmplices, não competem pela razão. Claro que a intimidade não consegue evitar ciúmes e conflitos de idéias, e tampouco se pretende que ela acabe com a solidão de cada um, que é sagrada, mas ela assegurará a longevidade de uma união que será estabelecida pela generosidade do olhar: se estará mais preocupado em enxergar a alma do outro do que em fiscalizar para onde ele está olhando.
   Amigos conseguem essa magia mais do que muitas duplas românticas, que freqüentemente se enganam a respeito da falsa intimidade que o sexo faz supor. Invadir a privacidade alheia é moleza, basta um torpedo, um telefonema, um encontro. Mas ter acesso ao mundo interno que o outro habita e sentir-se à vontade nesse mundo é que torna tudo mais raro, mais mágico e mais eterno.